Em tempos de Inteligência Artificial, como fica a proteção aos direitos autorais?


por Katia Abreu e David Dines

Com tantos debates sobre o uso de IAs na criação musical, e outras questões provocadas pela forma rápida e mutável com que as informações e dados circulam atualmente, é fundamental conhecer a legislação que protege os autores e saber como se defender caso sua obra seja usada de maneira indevida. Entenda. 


A Lei de Direitos Autorais brasileira (9.610/98) garante ao criador e demais artistas o reconhecimento e remuneração pelo uso de suas músicas. Ainda que no Brasil não haja um sistema de registro de obras como o copyright, nos Estados Unidos, se comprovada a autoria de uma música usada de forma indevida por terceiros, a lei protege o criador. 

“A lei faculta ao compositor a utilização de quaisquer modalidades de prova para comprovação de autoria, independentemente de registro. As modalidades de prova podem ser várias, inclusive de publicações nas redes sociais”, explica Juca Novaes, vice-presidente da CIAM – The International Council of Music Creators.

Um dos debates mais acalorados na indústria atualmente é o uso de Inteligências Artificiais para criação musical. Estas novas tecnologias já vêm somando nos processos artísticos nos últimos anos, como no amplo uso para masterização de novos fonogramas. No entanto, também surgem usos mais imersivos e potencialmente problemáticos, a partir de ChatGPT e IA generativas. As inteligências artificiais utilizam trabalhos humanos como base para a construção de seu modelo de aprendizado e, algumas vezes, podem surgir resultados muito semelhantes a algo que já existia anteriormente. Também existem casos como os dos deepfakes, conteúdos falsos que vêm sendo alvo de muitas disputas legais por emular digitalmente a voz ou a imagem de uma pessoa conhecida, de maneira passível como legítima pela opinião pública. Esse tema tem sido foco de debates internacionais e já há iniciativas para regulamentar a atividade na Europa e também aqui no Brasil

Novaes, que vê relação entre o uso mais técnico com inovações do passado, como as baterias eletrônicas, pontua que a presença de IAs no processo criativo em si esbarra na própria concepção do sistema de direito de autor adotado no Brasil: “Não é possível que uma máquina seja reconhecida como autora. A lei protege a autoria do ser humano. Além disso, um dos objetivos das discussões sobre a regulamentação de Inteligência Artificial na música diz respeito à criação de uma forma de remuneração aos autores que terão potenciais prejuízos”. 

A presença de IAs aprofunda questões presentes no mercado há já algum tempo, como uso de samples, interpolações e paródias. Fernando Yazbek, advogado especializado em Direito do Entretenimento, lembra que “toda utilização de obras de terceiros deve ser prévia e devidamente autorizada por seus titulares. As exceções previstas em lei precisam ser analisadas, caso a caso, em conformidade com o tipo do uso e sua extensão e relevância para a obra resultante”. 

Contidas no artigo 46, inciso VIII da Lei 9610, essas exceções permitem que sejam utilizados pequenos trechos de obras preexistentes desde que “a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores”. Não é o que acontece quando uma nova obra traz basicamente uma letra sobreposta a uma melodia conhecida; ou quando são feitas paródias para uso em campanhas políticas, recentemente proibidas pelo Tribunal Superior Eleitoral. 

Outro problema que compositores vem enfrentando atualmente é o vazamento de músicas e seu lançamento nas plataformas digitais sob o nome de outros artistas. Quando ocorre esse “sequestro” de fonogramas, por artistas que sequer existem, o criador original vai precisar comprovar a anterioridade de sua criação para recuperar sua música. “Tenha cuidado para entregar sua demo para terceiros. Se possível, obtenha algum comprovante de entrega com uma descrição do conteúdo. Tenha testemunhas da entrega. Após um terceiro subir sua obra sem autorização na internet, use os canais de reclamação disponibilizados pelos sites para denunciar o uso indevido / não autorizado”, aconselha Yazbek. 

Novaes complementa: “É importante ter em mente que a prova de autoria deve conter a obra na íntegra, tanto a parte musical como da letra. Só assim será possível defender os direitos do criador, diante da possibilidade de que outras pessoas possam plagiar ou utilizar indevidamente a obra. Cabe lembrar que nem o cadastro de obra numa associação de autor nem tampouco a geração do ISRC documentam o conteúdo da obra (letra e parte musical), razão pela qual não poderiam servir como prova cabal de anterioridade”.

Que outras ferramentas o criador pode utilizar para defender sua obra, em caso de um uso indevido? O mecanismo de fingerprint (impressão digital) de algumas plataformas pode servir a uma utilização estratégica em alguns casos. Por exemplo, além de reconhecer fonogramas, a inteligência artificial do YouTube também utiliza o chamado “melody match”, recurso que identifica automaticamente uma obra por sua melodia. Caso o artista perceba que uma obra está vazando dentro dessa plataforma, pode pedir auxílio à sua distribuidora e editora para aplicar o fingerprint da canção ainda não lançada oficialmente apenas por lá. Caso reconhecida, pode escolher entre monetizar, derrubar ou apenas acompanhar o conteúdo indevido.

A derrubada, recurso extrajudicial comum no caso de infração de direitos, é comumente chamada de “takedown”, e é utilizada amplamente em todos os serviços de streaming e redes sociais. O detentor dos direitos deve fazer uma denúncia formal junto às plataformas, como primeiro passo para retirar o conteúdo indevido de circulação. Caso tenha havido cadastro indevido da obra junto ao ECAD, o compositor também pode solicitar junto à sua associação a abertura de um processo administrativo para apurar a questão. “O músico ou compositor que teve sua obra usada indevidamente deve também notificar extrajudicialmente o infrator para que cesse a utilização e indenize pelo uso indevido, além de atribuir créditos quando for o caso. Em última instância, o músico ou compositor pode acionar judicialmente o infrator para buscar a reparação dos danos”, afirma Yazbek.

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